A organização da Copa, assolada por má gestão e politicagem, está dois anos atrasada. A pressa trará soluções improvisadas para o transporte nas cidade
Desde que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, os brasileiros passaram a sonhar não apenas com mais uma taça de campeão mas também com um salto de qualidade na infraestrutura de suas maiores cidades. Além de estádios modernos, finalmente ganharíamos sistemas de transporte de Primeiro Mundo com aeroportos de alto nível e trens expressos ou metrô. Quatro anos depois, está ficando claro que tudo, infelizmente, não passou mesmo de um sonho.
A esta altura, sendo realista, só a expectativa do hexa da seleção ainda está de pé. Neste mês de fevereiro de 2011, faltam três anos e três meses para o início da Copa do Mundo de 2014. Já para a Copa das Confederações, criada pela Fifa para testar as arenas e a infraestrutura do país-sede um ano antes do torneio, faltam dois anos e três meses. O calendário mostra que estamos muito, mas muito atrasados nos preparativos fora do gramado.
Mais exatamente, foram desperdiçados dois anos do tempo que havia para planejar, construir ou reformar estádios, ampliar a capacidade aeroportuária e implantar novos serviços de transporte urbano. A construção ou a reforma de um estádio demanda dois anos para a fase de projeto e mais dois para a construção. O mesmo prazo se aplica a novos terminais de aeroporto — uma grave carência nas principais portas de entrada do país, como Guarulhos, Galeão, Brasília e Confins. Portanto, esqueça qualquer esperança quanto ao legado da Copa. No que se refere à infraestrutura, trata-se, agora, de evitar um vexame de proporções históricas com puxadinhos aqui e ali — e só isso.
Falta de planejamento
Tal veredicto parte de especialistas com experiência em grandes eventos. “Há atraso por falta de planejamento e excesso de burocracia”, diz Amir Somoggi, diretor da consultoria de gestão Crowe Horwath RCS. “Além disso, em 2010, com a incerteza política de um ano eleitoral, muitas decisões foram postergadas.” No caso dos estádios, os exemplos mais preocupantes estão em São Paulo e Natal. Em Natal, que corre o risco de ser retirada do grupo de sedes pela Fifa, o projeto de Dunas, para 45 000 espectadores a um custo de 420 milhões de reais, ainda não atraiu investidores. Uma nova licitação está prevista para março.
Em São Paulo, depois de o plano de modernização do Morumbi ser rejeitado pela Fifa, o projeto da arena Itaquerão, do Corinthians, vem sendo refeito a toque de caixa para ampliar a capacidade de 48 000 para 70 000 espectadores. Se aprovada pela Fifa e conseguir atrair empreendedores privados, a construção deve começar em maio. “Estamos correndo contra o tempo, mas sabemos que o estádio só vai ficar pronto no final de 2013, depois da Copa das Confederações”, diz Luís Paulo Rosenberg, diretor de marketing do Corinthians. De acordo com ele, o custo do Itaquerão pode inflar em 40%, passando de 600 milhões para 840 milhões de reais. A explosão de custos também ameaça a reforma do Maracanã.
O Tribunal de Contas da União apontou graves indícios de irregularidades na licitação das obras do estádio. A pedido do tribunal, até que a questão seja resolvida, o BNDES, financiador de parte do projeto, só irá liberar 80 milhões de reais de uma linha de crédito aprovada de 400 milhões. Além disso, segundo o procurador público Marinus Marsico, que trabalha junto ao TCU, o projeto do estádio, orçado em 706 milhões de reais, não prevê a reforma da cobertura, de mais de 60 anos. “Como o Maracanã também será usado para a Olimpíada, queremos que a obra seja definitiva para evitar desperdícios, como ocorreu com o anel inferior do estádio. Criado para o Pan de 2007, ele agora foi demolido por exigência da Fifa.” De acordo com o procurador, o custo final do Maracanã pode chegar a 1 bilhão de reais.
Uma exceção entre os estádios é o Mineirão, cuja reforma começou a ser planejada em 2008. Com cronograma e orçamento em dia, o estádio deve ser entregue em dezembro de 2012. O que fez a diferença é a boa gestão. Para tocar o empreendimento, o governo mineiro montou uma parceria público-privada de 743 milhões de reais. A licitação da obra foi realizada em outubro de 2010. As rixas entre os principais times do estado, Cruzeiro e Atlético, foram resolvidas num acordo. “Vamos reinaugurar o Mineirão no Réveillon de 2013”, diz Sérgio Barroso, secretário estadual responsável pela organização da Copa em Minas Gerais. No quesito transporte público, porém, a situação de Belo Horizonte não difere das demais cidades-sede. De acordo com especialistas em logística, em razão do tempo perdido, nenhum dos 12 projetos de metrô ou de trem expresso previstos no país para ligar estádios a aeroportos deverá sair do papel antes da realização da Copa.
Por falar em aeroportos, uma responsabilidade exclusiva do governo federal, descarte a ideia de terminais novos. “Em Pequim, os chineses levaram cinco anos para construir um aeroporto com capacidade para 45 milhões de passageiros por ano que se tornou uma das vedetes da Olimpíada de 2008”, diz Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura da Fundação Dom Cabral. “Aqui, o máximo que se pode esperar em Guarulhos e Brasília, devido ao sufoco no cronograma, é a montagem de extensões modulares nas salas de embarque e desembarque, um improviso apelidado de puxadinho aeroportuário.
Os puxadinhos oferecem apenas 20% da capacidade de um novo terminal, isto é, menos de 5 milhões de passageiros por ano — Guarulhos e Galeão precisam de ampliação para receber mais 20 milhões de passageiros cada um. Para tentar deslanchar as obras, listadas no Programa de Aceleração do Crescimento, a presidente Dilma Rousseff pretende criar a Secretaria da Aviação Civil, que seria dirigida por Rossano Maranhão, ex-presidente do Banco do Brasil e atual presidente do Banco Safra. A nova secretaria, por ora, é apenas a promessa de mais um órgão numa seara que já conta com a estatal Infraero, a Agência Nacional de Aviação Civil e o Ministério da Defesa.
O principal motivo das mazelas na organização da Copa é a falta de um comando que, a exemplo da Autoridade Pública Olímpica, prevista para tocar a Olimpíada Rio 2016, concentre o poder executivo sobre todos os envolvidos na empreitada. Até aqui, as responsabilidades em relação à Copa estão pulverizadas entre União, estados e municípios, além da Fifa e dos clubes donos de estádio — neste momento, o governo cogita criar uma comissão especial de monitoramento das obras a ser coordenada pelo Ministério do Planejamento. Nesse emaranhado, a figura do ministro do Esporte, Orlando Silva, tem se mostrado apagada.
Ele acumula a chefia do comitê gestor da Copa, que formalmente deveria coordenar a organização, com foco nos projetos dos estádios. Como se vê, seu trabalho ainda não mostra resultados. Procurado por EXAME, o ministro preferiu não se pronunciar. Ao mesmo tempo em que falta gestão, sobra politicagem.
Um bom exemplo é o número excessivo de 12 cidades-sede, definido por Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol e representante da Fifa, para agradar a políticos e cartolas locais. O número suficiente de sedes seria oito, a quantidade de grupos de seleções que disputarão o torneio.
O excesso preocupa porque, após a Copa, dificilmente cidades como Manaus, Cuiabá, Natal e Fortaleza terão público suficiente em jogos e shows para bancar suas caríssimas arenas. A situação evidencia a urgência de tomada de decisões firmes e racionais na preparação para a Copa. A cada dia perdido, crescem os custos das obras — e o risco de o país do futebol passar vexame como anfitrião do maior evento esportivo do mundo.